Disputar os sentidos do bicentenário
/Luciano Mendes,
Marcelo Silva e
Maria Beatriz Porto
2022 será uma efeméride emblemática na história do Brasil. Será o ano do Bicentenário Independência do Brasil, das eleições gerais e da revisão da Lei de Cotas para acesso às instituições públicas de ensino superior. Não bastassem esses assuntos efervescentes, infelizmente, 2022 será também o ano de enfrentamento da pandemia e de suas cruéis consequências para a população mais pobre do país. Tudo isso, junto e misturado, fará de 2022 um momento pungente e desafiador.
Será neste ambiente denso, tenso e marcadamente aberto que vamos comemorar a chegada dos 200 anos de Independência do Brasil. Possivelmente, muitas pessoas têm problemas com a ideia de comemorar a independência. E, considerando as formas de comemoração, aquelas que marcaram nossa história, elas têm certa razão.
“Comemorar os 200 anos de Independência para derrotar o projeto autoritário, perverso e genocida”
Ao longo de nossa história, as nossas festas cívicas foram apropriadas para que nossas elites pudessem educar o povo segundo os desígnios e os interesses dos sujeitos deste grupo social. Assim como a própria Independência foi um processo pelo alto, feita, em boa parte, contra a população mais pobre e, sobretudo, escravizada; também as festas que a celebraram tiveram, ao longo do tempo, de um modo geral, a intenção de eternizar e atualizar aquele momento fundador sem problematizá-lo.
Uma outra festa da independência é possível
Assim, as comemorações da Independência, em boa parte, foram espetáculos cívicos ofertados pelo Estado ao povo e, ainda, não raramente, contra o povo.
Não resta dúvida de que, se queremos fazer deste um país democrático, solidário e igualitário, é preciso que disputemos as festas cívicas e lhe emprestemos mais a cara da diversidade da população brasileira e dos projetos de país Brasil que acalentamos. Neste sentido, 2022 pode ser um importante marco na retomada de uma consciência adormecida e de algumas práticas cívicas coletivas e democráticas que, aqui e acolá, insistem em irromper, resistem, persistem, ainda que em gritos isolados e vozes abafadas, por todos os Brasis.
É preciso celebrar a força e a resistência de inúmeros coletivos que, desde o século XIX, vêm lutando para que a independência, melhor dizendo, para que as independências, tenham outros significados que não aqueles que nossas elites coloniais, senhoriais e perversas buscam lhes emprestar.
Uma outra festa da independência é possível, isso porquê outros projetos de Brasil subsistem às nossas imensas desigualdades e às violências pelas quais o Estado busca controlar e, não raras vezes, exterminar a população trabalhadora, indígena, ribeirinha, feminina, negra, LGBTQIA+ e outras tidas como inadequadas ou indesejáveis ao projeto de país ideal sonhado por nossas elites.
Não comemorar a Independência de forma democrática, diversa e plural, é aceitar a ideia de que a população brasileira mimetiza as nossas elites e não se importa com a sorte do país. Esta ideia, repetida incessantemente ao longo de nossa história, levou a um enorme preconceito contra a população trabalhadora como sujeito político, servindo para justificar o seu controle e sua condução por meio do paternalismo, do assistencialismo, do clientelismo e da violência bruta. Rompamos as correntes!
É certo que comemorar os 200 anos de Independência, no contexto atual, para as forças democráticas, não pode ter outro sentido, também, do que aquele de mobilizar forças políticas, as mais diversas, para derrotar o projeto autoritário, perverso e genocida que se estabeleceu no Brasil a partir do golpe de 2016 e se aprofundou sob o governo Bolsonaro. Lembrar que Bolsonaro e as elites que nele se representam não refletem os rostos do Brasil é fundamental. Retomar projetos democráticos e inclusivos elaborados nos últimos 200 anos é imperativo.
Disputar os sentidos da Independência no espaço público é uma das nossas principais tarefas nestes momentos que antecedem o 7 de setembro de 2022, bem como as eleições gerais do ano que vem.
É com este propósito que o jornal Brasil de Fato e o Portal do Bicentenário da Independência se unem para, nos próximos meses, manter acesa a discussão sobre os sentidos do Bicentenário da Independência no espaço público brasileiro.
O Portal é uma iniciativa interdisciplinar e pluritemática, uma verdadeira Rede Educativa, que tem o propósito de produzir, editar, fazer curadoria e disponibilizar conteúdos sobre os 200 anos de independência para e com a educação básica, pretendendo reconhecer e fortalecer a autoria daqueles e daquelas que atuam nas escolas brasileiras. Participe conosco desta discussão e deste movimento democrático!
Fonte: Brasil de Fato.