Pedros e pedras – o que é ou poderia ser
Ivane Laurete Perotti
Desautorizado ao real patriotismo e em risco se manifesto, o professor de História do Brasil trabalhava havia semanas o processo social, político e econômico da Independência. Interligações. Decorrências. Contexto. Período Joanino.
_ A cag…da!
_ Disenteria, mano!
_ Dá na mesma. O Pedro nas pedra…mano!
_ Nas moita!
_ Pedra!
Anedotas alcançando instantes de crédito. Fato. Talvez a própria realidade fosse uma longa e inconclusa anedota. Vai saber!
_Voltando à visita de D. Pedro I à Província de São Paulo, é importante que pensemos…
_ Ô, profs! E se fosse uma fake das conspiração?
_ Explique!
_ Ó…se a tal Leopoldinha…
_ Leopoldina! De Alcântara!
_ Essa! Se a dona “tava” dando um golpe no Pedro…
_ Estivesse!
_ Eu acho que “tava” mesmo. Olha só… ela atrasô a notícia, intendi?
_ Ainda não!
_ Ela feiz a notícia atrasá e pegô ele no caminho. Daí a cagança!
_ Não tem sentido! O que ela ganharia com isso?
_ Ah! Tem sim! Ele ia morrê de tanto se …
_ Já entendemos, Samuel!
_ Então, a dona Leo ia pegá o trono. Sacô?
_ Não!
_ Ah! Olha…
Dissensões à parte, os argumentos de Samuel vingaram atenção. Depois de muitos e vários discursos, ele estilhaçou a pérola:
_ Em resumo, profs, o Brasil nasceu de uma cag…da!
O longo suspiro do professor rompeu o bolsão pedagógico. Não era resignação. Ganhava tempo para retornar ao centro dos objetivos. Uma ideia atravessou a sua teimosia.
_ Ô turma, já que vocês estão tão interessados em anedotas, vamos construir um quadro que nos esclareça um pouco esses conceitos de Fake News e atos conspiratórios. E, vamos trabalhar com a atualidade, em comparação com…
_ Nuuu! Será uma cagação só, profs.
_ Quem sabe, vocês possam começar pesquisando sobre as questões sanitárias no Brasil Colônia.
_ 1822…
_ Certo! 1822.
_ As viagens também, né?
_ Isso mesmo… a comunicação…a educação…
_ E quem vai pesquisar sobre hoje?
Divididas as tarefas, referências para pesquisa não foram o maior problema. Os grupos que estariam pesquisando o Brasil no atual momento perceberam a grandiosidade do posto.
_ Profi! Tem muita informação. Como saber o quê é …
Assim começam os trabalhos significativos. Olhar para os fatos com visão científica é exercitar a leitura sem o prejuízo das percepções pessoais. Recortes e análise exigem método. Distanciamento medido em segura isenção.
Apostando no crescimento da turma, o professor apresentou caminhos. Ferramentas. Fontes reconhecidas. E, por alguns dias, Samuel deixou de lado a sua conspiração quase escatológica. Longe de parecer um problema, garantira-lhe espaço hilário diante dos colegas. Por um triz! Por um finíssimo triz, pensava o professor, reconhecendo aquele átimo de segundo que o alçara do lugar comum para o limbo das divindades. Vencera quando assumiram o trabalho. Venceriam quando pudessem perceber os atravessamentos. As perspectivas. Tensão de fita e forca. Cartilha sem reza. Páginas da esperança. Tempos suados a rodo. Resistência. Política. União.
Aproximadamente duas semanas após a proposta, quem ouviu, conferiu: os estudantes, armados de muita pesquisa e leitura, tomaram a sala. Depois a escola. O pátio. Os corredores. A cantina. A quadra de esportes. Outras salas foram convidadas para a reprise. Trabalhos de peso. Rodas de conversa. Painéis. Gráficos. E, com certeza, anedotas. Uma relação histórica que, de tão hilária quase provocou um problema diplomático _ o professor de História foi chamado à supervisão por incitação à balbúrdia e coerção de voto. Inenarrável desafio à interpretabilidade! O caso, vinculado a Samuel, ou melhor, ao grupo ao qual ele pertencia, trabalhara uma analogia entre os fatos anedóticos do dia do Fico, 09 de janeiro de 1822 e o transcorrido na cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais, em 06 de setembro de 2018. Trabalho sério. No fio da lâmina. Com apoio em muitos levantamentos, acessaram conceitos e análises acerca do caso. Entre a disenteria, o grito de Independência ou Morte e a cena de 2018, passaram-se muitas e muitas …
_ Cag…das! Com bom planejamento. Diga-se de passagem! – era a voz de Samuel falando para a plateia de colegas que, afetados pelo discurso informal e esclarecedor, optavam por percorrer a leitura dos inúmeros recortes de jornais dispostos em ordem cronológica. Análises feitas por várias mídias. Dentro e fora do Brasil. Reconstruindo a desconstrução-obstrução das informações ao interesse à época.
Quando interrogado pelos colegas sobre o aprendizado durante a pesquisa, Samuel levantou uma espada imaginária e decretou:
_ Papel higiênico tá na hora da…! Metáforas e mentiras têm distância! Anedotas desviam a atenção. Independência não é sorte! Eu quero mudança! E ocêis?