Lessa e Tonet nos convidam a conhecer a filosofia de Marx

 

/Rodrigo Leite Valentin de Souza

 

O presente texto está embasado em pesquisas críticas sobre sociedade e cultura brasileira e foi adaptado para finalidades didáticas, visando fortalecer os elos entre universidade e escolas conforme princípios que regem o Portal do Bicentenário.

É sempre desafiador fazer uma introdução breve e simples a uma obra filosófica específica de qualquer grande teórico. Esse desafio aumenta bastante quando a base dessa filosofia se espalha por diversas obras e não é posta explicitamente em seus trabalhos. Esse é o desafio para quem aceita produzir uma tal introdução para o filósofo alemão Karl Marx. Sergio Lessa e Ivo Tonet aceitaram esse desafio no “Introdução à Filosofia de Marx” ¹.

Supondo, como o faz as filosofias reacionárias, que a essência humana seja imutavelmente egoísta desde sempre, a discussão sobre a construção de um mundo onde não existe exploração do homem pelo homem acabaria antes mesmo de começar: a sociedade capitalista seria o ápice do desenvolvimento humano, com o “homem sendo lobo do homem”; a democracia burguesa seria a forma mais desenvolvida de a humanidade apaziguar seus antagonismos de classe.

Porém, Lessa e Tonet nos esclarecem, nesse pequeno livrinho, a demonstração de Karl Marx de que a essência do homem é uma fabricação contínua do próprio homem; essa é uma resposta definitivamente revolucionária à questão. Assim sendo, se hoje a sociedade capitalista produz seres egoístas, assim também com o fim do capitalismo e sobre os fundamentos de uma sociabilidade superior é possível alcançar uma sociedade humana sem exploração, uma plena emancipação humana. E a proposta do livro é demonstrar os fundamentos filosóficos disso.

Marx estabelece um único pressuposto em suas obras, segundo Lessa e Tonet: a humanidade precisa transformar continuamente a natureza para continuar existindo. Apesar de a humanidade precisar da natureza inanimada e da biológica, nós não nos resumimos a nenhum dos dois. Temos uma história que difere paulatinamente da história dos seres inanimados e dos outros seres vivos. O processo da humanidade suprir suas necessidades na natureza se dá fundamentalmente através do trabalho. É pelo trabalho que os seres humanos tanto constroem sua sobrevivência quanto também constroem a si mesmos, suas individualidades

O trabalho definido como transformação que os seres humanos realizam sobre a natureza para suprir as próprias necessidades envolve um momento onde esse processo existe apenas na cabeça do sujeito: é a prévia-ideação; é quando ele antecipa os resultados de várias alternativas, para escolher a melhor e reúne as ferramentas necessárias para realizar. Sem que essa prévia-ideação seja executada fora da cabeça do indivíduo, ela não deve ser considerada como trabalho por si mesma.

Por exemplo, uma pessoa que se proponha fazer um bolo passa por esses mesmos momentos de prévia-ideação e objetivação; e para a realização desse bolo, essa pessoa possui várias alternativas. Na prévia-ideação, ela analisa as diversas alternativas e seleciona a que julga melhor satisfazer sua necessidade naquele momento. Após isso, ela age objetivamente (age sobre os objetos) sobre uma parte da natureza (os ingredientes do bolo) para produzir algo que não existia antes, o bolo. Consequentemente, tanto a realidade daqueles ingredientes do bolo mudou (eles continuam lá, mas transformados) quanto a subjetividade do indivíduo que fez o bolo; a cada vez que o indivíduo fizer um novo bolo, sua compreensão desse processo aumentará, melhor ficarão os próximos. Com o passar do tempo, esse indivíduo poderá usar o conhecimento adquirido ao fazer um bolo no processo de outras massas. Isto é, o indivíduo é capaz de generalizar o conhecimento adquirido no trabalho. 

Porém, não imagine que o processo de trabalho seja algo realizado pelo indivíduo independentemente da sociedade. Nosso exemplo do bolo é bastante esclarecedor: a sociedade inteira foi mobilizada para a realização desse bolo! O gás de cozinha, o forno, a fôrma, os ingredientes, o transporte de tudo isso para sua casa, o conhecimento que você adquiriu ao longo de anos para chegar a ser capaz de manipular tudo isso com destreza, a própria história do desenvolvimento da humanidade, tudo isso contribuiu para você chegar a realizar um bolo.

Os processos de trabalho vão, inevitavelmente, redundando num conhecimento humano cada vez maior sobre a natureza. Isso implicou num aumento tendencial da produtividade do trabalho humano ao longo da história. O surgimento da agricultura e da pecuária são ambos tanto subprodutos quanto impulsionadores desse cada vez maior conhecimento humano sobre o mundo natural.

Esse aumento de produtividade abriu uma possibilidade nova na história, que terminou sendo executada por alguns agrupamentos humanos (mas nem todos!): a possibilidade da exploração do homem pelo homem. Sem o aumento da produtividade, tal exploração terminaria com a morte de um ou de outro: se eu produzo alimento de um dia apenas para um, e um explorador me rouba esse alimento, eu morro de fome. Mas, com surgimento do excedente, o explorador é capaz de explorar sem matar o explorado de fome. Nasce, assim, as sociedades de classes.

Junto com as sociedades de classes nasce (dentre outros) o Estado e o Direito. O Estado é sempre a classe dominante articulada na forma de poder político, que sempre está acompanhado de forças coercitivas (exército, prisões, funcionalismo estatal etc). Com a divisão da sociedade em classes antagônicas, haveria o risco da sociedade se auto destruir por conflitos; o Direito serve então como uma forma de esconder tais antagonismos através de garantias da manutenção e transmissão hereditária da propriedade privada dos meios de produção e reprodução social da vida humana que tenham uma aparência de justiça.

Recomendamos, portanto, o uso deste artigo por professores e estudantes da rede básica de educação enquanto material complementar para preparo de aulas, fonte para seminários temáticos, oficinas de leitura, rodas de conversa e outras atividades de ensino.

 

Capa da obra “Introdução à Filosofia de Marx”. Créditos: Editora Expressão Popular, 2011.

#Pracegover Capa da obra, intitulada “Introdução à Filosofia de Marx”, contendo nome do autor; título; imagens abstratas em tons de vermelho, amarelo e marrom. Letras na cor preta e fundo na cor branca.

 

Nota

(1) Publicado em 2011 pela editora Expressão Popular. Ambos os autores disponibilizam bondosamente essa obra em seus sites pessoais, Ivo Tonet e Sergio Lessa.

 

Para saber mais

LESSA, S. & TONET, I. Introdução à Filosofia de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2011.
LESSA, Sergio. Para compreender a Ontologia de Lukács. Maceió: Coletivo Veredas, 2016.
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