Leandro Gomes de Barros (1865-1918) e a poética popular 

/Géssica Barboza Reges

 

O presente texto está embasado em pesquisas críticas sobre sociedade e cultura brasileira e foi adaptado para finalidades didáticas, visando fortalecer os elos entre universidade e escolas conforme princípios que regem o Portal do Bicentenário.

O paraibano Leandro Gomes de Barros, nascido em 1865, foi considerado o criador da Literatura de Cordel e ficou conhecido, em famosa definição de Carlos Drummond de Andrade, como o “príncipe dos poetas”. É considerado o primeiro escritor brasileiro de literatura de cordel contemporânea. O autor mudou-se da Paraíba para Recife por volta de 1907. Ao migrar para a capital pernambucana, Gomes de Barros buscou viver exclusivamente de sua poesia.  A cidade, constituída por significativo índice populacional, favoreceu esse projeto pessoal na medida em que Recife possuía um público leitor de folhetos, tipografias disponíveis para impressão e linhas de trem que interligava diferentes pontos da região. Essa conjuntura de fatores favoreceu a venda da literatura popular do autor.

Leandro Gomes de Barros tornou-se, portanto, o primeiro poeta nordestino a tornar a edição e venda de cordéis uma profissão. A atividade de editor de folhetos mantida pelo poeta movimentou o comércio de impressos no Recife do começo do século XX. Vendedores ambulantes eram vistos constantemente vendendo seus cordéis nas grandes e pequenas cidades: em rodoviárias, feiras, mercados e festas religiosas.

 A literatura de cordel, baseada na tradição oral do populário, teve grande importância social, nessa época, por possibilitar a transmissão de conhecimentos para pessoas que não sabiam ler. Nas primeiras décadas do 1900, todo o Brasil acumulava altíssimos níveis de analfabetismo. A oralidade e as tradições dela derivadas deixaram traços indeléveis na formação cultural brasileira. Antes da chegada de meios de comunicação eletrônicos, como o rádio e a televisão, a cultura popular impressa fez circular socialmente incontáveis mensagens políticas e artísticas. 

No folheto O Sorteio Obrigatório, percebemos que Leandro fez uma crítica aos poderes oficiais da época ao questionar o alistamento militar obrigatório de jovens que completavam 18 anos de idade. Longe de ser manifestação de amor à pátria, para o autor, essa forma autoritária de convocação escancarava a desigualdade social espalhada por todo país:

Rapaziada se aprontem
Para enfrentar a desgraça
A guerra, a crise, o imposto
Quase não deixa raça
O resto que ainda ficou
Morre no pau da fumaça.

Intelectuais de diversos matizes ideológicos, entre 1920 e 1950, ajudaram a construir o imaginário popular nordestino. Nessa cosmovisão, o homem possui características identitárias bem definidas e regidas pela lógica senhorial. Ser cabra macho, ou seja: respeitável, é basicamente ser cristão, respeitador dos códigos de honra e hierarquias sociais de sua comunidade. Essa visão conservadora e estereotipada do masculino, que tanto marca o regionalismo de 1930, foi inspirada em grande medida por folhetos como os de Gomes de Barros.

No folheto Antônio Silvino: o rei dos cangaceiros, por exemplo, Barros afirmou essa identidade masculina do sertanejo construída em torno de mitos poéticos de virilidade e coragem. O poema representa a trajetória de um sujeito que personificou o arquétipo do cangaceiro que nada deve temer:

(…)
Já fazem 18 anos
Que não posso descansar
Tenho por profissão o crime
Lucro aquilo que tomar,
O governo às vezes dana-se
Porém que jeito há de dar?!

O governo diz que paga
Ao homem que me der fim,
Porém por todo dinheiro
Quem se atreve a vir a mim?
Não há um só que se atreva
A ganhar dinheiro assim.


Há homens na nossa terra
Mais ligeiros do que gato,
Porém conhece meu rifle
E sabe como eu me bato,
Puxa uma onça da furna,
Mas não me tira do mato.

Visto pela lente da poética folclórica, o nordestino carrega consigo a particularidade de ser bravo, rude e valente. O cangaceiro Antônio Silvino se orgulhava de ser temido e odiado pelas forças policiais e foi procurado por 18 anos. Praticou saques e assassinou inimigos, mas era tratado pelos poetas populares como um “herói” por respeitar as famílias.  Dessa forma, poemas com esse viés podem suscitar reflexões tanto sobre a sobrevivência de concepções populares de justiça, bem como em torno da chamada invenção do Nordeste.

Atualmente, grande parte do interior nordestino já está inserido no processo de globalização digital. A literatura de cordel já não possui mais a mesma força cultural que antes, mas pode ser uma instigante ferramenta para debates, em sala de aula, sobre relações de saber, identidades culturais, práticas sociais e tradições populares.

Recomendamos, portanto, o uso deste artigo por professores e estudantes da rede básica de educação enquanto material complementar para preparo de aulas, fonte para seminários temáticos, oficinas de leitura, rodas de conversa e outras atividades de ensino.

 

lustração do poeta Leandro de Gomes Barros. Créditos: Museu de Arte Popular da Paraíba – MAPP.

#pracegover Retrato de homem com bigode e cabelos curtos, em semi-perfil. Imagem com desenho na cor preta e fundo na cor sépia.

 

Para saber mais

ALBUQUERQUE Jr., Durval Muniz. A invenção do Nordeste e outras artes. 5ª. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
BARROS, Leandro Gomes de. O sorteio obrigatório. Recife: Typ. Mendes, 1900.
____. Antônio Silvino: o rei dos cangaceiros. Recife: Typ. Perseverança, 1911.