Júlio Ribeiro (1845-1890) e o romance naturalista

/Ediene Gomes da Silva

O presente texto está embasado em pesquisas críticas sobre sociedade e cultura brasileira e foi adaptado para finalidades didáticas, visando fortalecer os elos entre universidade e escolas conforme princípios que regem o Portal do Bicentenário.

Júlio César Ribeiro Vaughan nasceu em 10 de abril de 1845 na cidade de Sabará, Minas Gerais. Tornou-se jornalista e gramático, fundou três jornais que não obtiveram sucesso e foi colaborador em vários periódicos, nos quais divulgava suas ideias republicanas e anticlericais que eram vistas como afronta a Igreja. Publicou seus dois romances Padre Belchior de Pontes, escrito em dois volumes (1876-1877) e A Carne (1888). Posteriormente, Ribeiro foi eleito patrono da cadeira n°24 da Academia Brasileira de Letras, falecendo em 1 de novembro de 1890, na cidade de Santos, São Paulo. 

Durante toda sua carreira, Ribeiro dividiu opiniões entre críticos e admiradores de suas obras. Publicada em 1881, a Gramática portuguesa é considerada uma das suas mais talentosas criações, motivo de elogios entre grandes autores e filólogos da época. Valentim Magalhaes, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras – ABL, por exemplo, em crônica publicada no periódico A Semana, em 1885, destacou positivamente as repercussões dessa obra tanto no Brasil, bem como em Portugal. Já a publicação do romance erótico A Carne, em 1888, causou grande polêmica moral, religiosa e a classificação da obra como obscena. Juízo de valor que contribuiu para a atual carência de estudos sobre o autor e transformou sua obra em alvo de condenações, sendo considerada por muitos como uma infâmia na história da literatura brasileira.  

Entretanto, A Carne é sua obra de maior repercussão mesmo que tenha lhe rendido severas críticas de autores como José Verissimo, Rocha Pombo e o padre Senna Freitas. A polêmica literária e moral foi tão intensa com S. Freitas que acabou resultando na publicação de livro Uma polêmica célebre, em 1934, que compilou os textos relativos a essa rusga. Nesses artigos, o padre intitula o livro do escritor de A Carniça e, em resposta, Ribeiro publicou uma série de artigos com o título O urubu – Sena Freitas.

O Romance, publicado em 1888, apresenta como protagonista Helena Matoso conhecida por todos como Lenita, uma bela jovem criada pelo seu pai que lhe ofereceu uma rebuscada educação: o que despertou sua paixão pelas ciências, diferenciando-se de outras moças de sua época para as quais a maior preocupação era conseguir um bom casamento. Após o falecimento do pai, a personagem é encaminhada para viver sob a guarda de um rico fazendeiro chamado coronel Barbosa que, sendo amigo da família, torna-se seu tutor. O filho mais velho do coronel, Manoel Barbosa, após separação conjugal, volta a morar na casa dos pais e, ao passar a conviver com Helena, fomenta uma clandestina e tórrida paixão pela moça bem mais jovem que ele.

O sexo fora do casamento, o amor livre, o sadismo e a histeria são traços comportamentais que estão presentes na composição da personagem Helena Matoso enquanto uma mulher provocadora e polêmica, dona de seu corpo e com um comportamento contestador. Desse modo, a obra ribeiriana marca um novo ciclo de representação feminina que repercutiu no Brasil por muito tempo. A sexualidade feminina e sua relação com o erotismo, temáticas interditadas pela moralidade vigente, ganharam espaço para discussão entre intelectuais de diversos matizes a partir do provocativo romance A Carne.

Sendo assim, a obra provocou debates acirrados entre os letrados da época, que oscilaram entre a defesa, a curiosidade e até o repúdio público do romance. Tudo isso contribuiu para a construção de discursos que podem ser analisados a partir de duas vertentes: a fama gerada em torno do livro proibido que afronta os costumes morais e clericais, despertando a curiosidade de leitores e, por outro lado, a obra que escandalizava o público ao comparar desejos humanos com o comportamento irracional dos animais.

Todavia, entre censuras e condenações, A Carne ficou marcado na história da literatura brasileira como um romance controverso e obsceno. Quanto à Júlio Ribeiro, foi acometido por tuberculose, sofrendo bastante ao longo da evolução da doença, mas sem perder a habitual vaidade intelectual. Pedia que a imprensa o deixasse em paz, desmerecendo as especulações sobre seu estado de saúde. Veio a falecer em 01 de novembro de 1890. Na época, alguns jornais divulgaram notas sobre a morte de Ribeiro, retratando sua trajetória intelectual polêmica e antipatias que deixou em vida.

Recomendamos, portanto, o uso deste artigo por professores e estudantes da rede básica de educação enquanto material complementar para preparo de aulas, fonte para seminários temáticos, oficinas de leitura, rodas de conversa e outras atividades de ensino.


Para saber mais

BULHÕES, Marcelo. Leituras do desejo: O erotismo no romance naturalista brasileiro. São Paulo: EDUSP, 2003.
MAGALHÃES, Valentim. Júlio Ribeiro. In: A Semana: Volume I. Rio de Janeiro, 1885.
RIBEIRO, Júlio. A Carne. São Paulo: Teixeira & Irmão Editores, 1888.
SILVEIRA, Célia Regina de. Fama e infâmia: Leituras do romance A carne, de Júlio Ribeiro. ArtCultura, Uberlândia, v. 12, n. 21, Jul.- Dez, 2010. p. 195-209.