Aluísio Azevedo e o romance O Cortiço (1890)

/Laerte de Souza Silva

O presente texto está embasado em pesquisas críticas sobre sociedade e cultura brasileira e foi adaptado para finalidades didáticas, visando fortalecer os elos entre universidade e escolas conforme princípios que regem o Portal do Bicentenário.

Aluísio de Azevedo foi jornalista, escritor, caricaturista, diplomata e um dos membros fundadores da Academia Brasileira de Letras – ABL.  Saiu de São Luís, no Maranhão, com 19 anos de idade, com seu irmão Artur Azevedo, para morar no Rio de Janeiro. No então distrito federal, começou a estudar na Academia de Belas Artes. Em 1880, publicou o seu primeiro romance Uma lágrima de mulher. O autor é dono de uma vasta obra literária, teatral e jornalística como Os doidos (1879), A República (1890), O touro negro (1898). A obra O mulato (1881) é tida como o primeiro romance naturalista do Brasil. 

O Cortiço, seu sétimo romance, foi lançado em 1890. Trabalhado desde 1888, ano da abolição escravista, essa obra é um romance naturalista que se apropriou de teorias do determinismo racial, tidas como científicas no século XIX e parte do XX, no intuito de construir uma interpretação literária e supostamente científica das relações sociais no Brasil. A importação nacional de ideias e doutrinas próprias do determinismo racial, originado na Europa, foi sistematizada a partir de 1870. Iniciativa intelectual e política que contou com forte apoio de estabelecimentos científicos e da reduzida elite pensante do Brasil.

Na obra O Espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930), a historiadora Lilia M. Schwarcz esclarece que essa adesão ao determinismo racial e as teses eugenistas encontrou um palco favorável para se consolidar por causa da tensa transição econômica, social e política, entre o escravismo e o liberalismo, vivenciada no pais. Nesse período, doutrinas positivistas e o que era entendido como novo ideário evolucionista foi saudado com entusiasmo no meio militar e acadêmico. 

A Lei do Ventre Livre, de 1871, desencadeou um processo histórico, em termos de Brasil, no qual o liberalismo filosófico e o racismo estrutural, sustentáculo da escravidão de africanos e afro-brasileiros, enquanto formas de pensamento teoricamente incompatíveis, fizeram parte, lado-a-lado, da construção política do Brasil contemporâneo. As explicações oficiais da república brasileira sobre as contradições sociais, raciais e culturais do país adotaram justificativas racistas/raciológicas para negar cidadania, representatividade e inclusão de negros e indígenas ao longo da chamada modernização nacional. 

Em O Cortiço, três personagens que representam imigrantes portugueses que residiam no Rio de Janeiro passam por uma transformação significativa que é tratada pelo narrador a partir de uma cosmovisão naturalista. Sendo estes, Romão: elemento vitorioso na seleção das espécies porque se adapta a realidade brasileira e ascende na escala social; Miranda: sua posição de baronato se mantém mesmo com a imigração e assim consegue preservar sua posição senhorial e Jerônimo, que depois de atingir o máximo de sua posição de assalariado, entra em franca degenerescência.

A análise de O Cortiço deve atentar, portanto, para a estrutura cientifica naturalista do romance, dividida em dois conjuntos que estabelecem um regime de troca. No primeiro conjunto, temos o cortiço simples habitado por grande maioria de negros e mestiços e os que não são acabam aderindo ao mesmo comportamento tribal identificando-os como seres primitivos, animalizados. No segundo conjunto, temos a casa de Miranda, o admirado, que representa um nível de cultura elevada e contrário à mistura tribal do cortiço. Lá temos Henriquinho, rico e poderoso, Estela, Zulmira e o intruso Botelho. Na trama ficcional, há, portanto, um limite entre a selva e o jardim, a natureza e a cultura, porém prevalece um tipo de retroalimentação entre esses diferentes mundos.

 

O Cortiço, Aluísio Azevedo

Em busca de ascensão social, os dois europeus subalternos praticam uma série de sérios desvios morais: Romão, que consegue passar de vendeiro para proprietário do cortiço, explorou o trabalho da negra Bertoleza a enganando com falsas promessas de alforria, além de ter roubado materiais de construção. Jerônimo, o robusto quebrador de pedras, faz lajedo e paralelepípedo. Ao brigar com o capoeirista Firmo, em disputa passional pela sedutora Rita Baiana, o mata, abandona sua família e cai em miséria. O fato é que a decadência moral desses dois portugueses se dá tanto pelo forte sol, o ar quente dos trópicos, bem como pelo contato com os miscigenados e supostamente selvagens brasileiros. 

Na república do cortiço, o feio, sujo e miserável está presente desde sua estrutura de funcionamento até nas relações sociais. Ao longo do enredo, os portugueses que não se adaptaram à realidade nacional foram aniquilados por forças naturais. O pensamento eugenista e racista presente nessa obra permanece atual, pois nossa época acumula inúmeras denúncias feitas por pessoas que vivem oprimidas em favelas ou conjuntos populares e são alvos constantes de abusos de poder e violência por parte de autoridades policiais, jurídicas e sanitárias que ainda criminalizam a pobreza. 

 

Recomendamos, portanto, o uso deste artigo por professores e estudantes da rede básica de educação enquanto material complementar para preparo de aulas, fonte para seminários temáticos, oficinas de leitura, rodas de conversa e outras atividades de ensino.

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