Maria Firmina dos Reis e o romance Úrsula (1859)

/Janaina Mendes da Silva

O presente texto está embasado em pesquisas críticas sobre sociedade e cultura brasileira e foi adaptado para finalidades didáticas, visando fortalecer os elos entre universidade e escolas conforme princípios que regem o Portal do Bicentenário.

A obra literária Úrsula foi escrita em 1859, pela autora maranhense Maria Firmina dos Reis. O enredo da obra representa contextos sociais do Brasil Império e trata, em linhas gerais, dos profundos quadros de miséria e exploração humana que compõem uma realidade escravagista. É preciso destacar que o enredo segue um tom melodramático folhetinesco e apresenta elementos estéticos próprios do realismo literário.

A obra de Maria Firmina dos Reis ressalta como o homem branco ocupava uma posição hierárquica privilegiada dentro da lógica escravista brasileira e usava esse poder para exercer desmandos sobre os seus agregados, cônjuges, filhas e escravos. Essa compreensão embasa a construção do personagem Fernando P., que representa, em termos simbólicos, a elite senhorial do Império. Elite essa que enxergava o mundo e os outros como realizadores das suas vontades contando, inclusive, com legitimidade até da esfera religiosa.

As personagens femininas destacadas pelo realismo romântico da autora Maria Firmina foram inspiradas na observação de distintas camadas sociais do Brasil Império. A mulher branca e pobre ou negra e escrava, por exemplo. Dando destaque as vozes dessas mulheres, Firmina construiu uma importante reflexão sobre como a condição feminina, em sua época, era alvo constante de controle masculino. A sociedade brasileira, fatidicamente, estava organizada dentro de uma autoritária e racista lógica senhorial.

As personagens Luiza B. e Úrsula dão a entender como a mulher estava presa a tutela masculina, passando do pai para o marido. Dentro da ordem social figurada pelo romance, mulher respeitável era aquela que estivesse sempre sob a égide de uma figura masculina. Havia uma inferiorização social da mulher que era agravada ainda mais dependendo da sua classe social e cor da pele. A escrava idosa Susana, por exemplo, é portadora de memórias sobre os horrores do tráfico de escravos. Narra, no romance, etapas da brutal viagem marítima que fez da costa africana até chegar ao Brasil. Firmina, por meio de Susana, endossa um projeto artístico que agrega arte e abolicionismo antes mesmo do célebre poema “O navio negreiro”, publicado em 1870, de Castro Alves.

Em uma sociedade na qual os escravos eram tratados como propriedade, a autora trata do aspecto humano, negado pela ordem dominante, do negro. O personagem Tulio, jovem escravo, condensa essa denúncia. Na trama, Tulio consegue a liberdade depois de um ato heroico que consistiu em salvar um rapaz rico e branco da morte. Como gratidão, o mesmo compra sua alforria. Mesmo vivenciando uma rotina de injustiças e misérias causadas pelas mazelas da escravidão, o jovem escravo permaneceu nobre e humano. O que, sem dúvidas, imbui essa obra literária de uma refinada crítica social.

A Obra Úrsula está fortemente inserida em uma estética realista. O Brasil estava procurando sua própria identidade literária, na qual a descrição do cotidiano e a evocação de paisagens bucólicas era comum entre escritores de diversas regiões. O romance destaca, nesses termos, tanto enquanto testemunho lúcido sobre a escravidão, bem como por representar, em tom de denúncia, quadros de opressão social relativos a condição feminina no século XIX. Nesse sentido, a leitura e debate sobre as lúcidas denúncias sociais de Maria Firmina dos Reis, em ambientes de ensino básico e superior, são indispensáveis para uma melhor compreensão das profundas raízes históricas que a desigualdade e exploração social possuem no Brasil.

Recomendamos, portanto, o uso deste artigo por professores e estudantes da rede básica de educação enquanto material complementar para preparo de aulas, fonte para seminários temáticos, oficinas de leitura, rodas de conversa e outras atividades de ensino.

 

Maria Firmina dos Reis, primeira romancista brasileira. Crédito: Créditos: Ilustração de Tony Alves.

 

#pracegover Retrato de mulher negra, cabelos presos na cor preta, utiliza brinco no formato de argola e blusa com gola, ambos na cor amarela. Ilustração colorida com assinatura à direita de Tony Alves.

 

Para saber mais

MUZART, Zahidé Lupinacci. Escritoras brasileiras do século XIX: Antologia. Florianópolis: Santa Cruz do Sul: Editora Mulheres: EDUNISC, 1999.
REIS, Maria Firmina dos. Úrsula. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

 

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