O Almirante Carlos da Silveira Carneiro e a Enciclopédia de Santa Catarina
/Andréia Amorim da Silva
Um dos maiores empreendimentos de coleta, organização de estudos e documentos sobre Santa Catarina (SC) do século XX ocorreu ao longo dos anos de 1950 e 1970 por um carioca membro da Marinha Brasileira. Trata-se do Almirante Carlos da Silveira Carneiro, que elaborou o ambicioso e inacabado projeto da Enciclopédia de Santa Catarina (ESC), cujos volumes, junto de outros materiais, encontram-se no setor de obras raras da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sem um trabalho final de edição.
São ao todo 67 volumes da ESC, com cerca de 200 a 500 páginas (que seriam na verdade 68, pois, o número 12 não está no acervo) mais uma série de cadernos, fotografias e demais anotações feitas pelo Almirante ou outras pessoas não identificadas que compõem o seu acervo. Todos esses materiais, ao que tudo indica, foram doados pela sua esposa após o seu falecimento. Supõe-se que ela doou todos os materiais que faziam parte da chamada “sala da Enciclopédia”, que ficava no Rio de Janeiro.
Com relação ao idealizador da ESC, o Almirante nasceu na cidade do Rio de Janeiro (antigo Distrito Federal) em 1893 e faleceu em 1974. Ele teve instrução secundária no colégio Paula Freitas, saindo com o título de bacharel em Ciências e Letras, cursou a Escola Naval onde formou-se Guarda da Marinha, realizou curso de comunicações da Marinha em 1933 com distinção, curso de Comando da Escola de Guerra Naval em 1938, curso superior da Escola de Guerra Naval, tendo extensa carreira na Marinha Brasileira.
Ele entrou no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) em 1921 (então com 29 anos). Já em 1922 iria colaborar na publicação do “Dicionário Histórico e Geográfico e Etnográfico Brasileiro” ao escrever sobre a Marinha de Guerra. O Almirante era colaborador da Revista do IHGB, foi membro da Diretoria e tesoureiro da Instituição por mais de 30 anos, até a sua morte. Percebe-se que o Almirante era alguém muito ilustrado, com uma excelente formação e bem relacionado na sociedade carioca, tendo contatos entre diferentes grupos. Ele casou-se com Maria Cristina Fleiuss, com quem teve 4 filhos. Sua esposa era filha de Max Fleuiss (1868-1943), que foi jornalista, escritor, historiador, formado em direito e secretário perpétuo do IHGB.
Pelo que foi possível averiguar, a inserção do Almirante em terras catarinenses se deu quando assumiu o comando do V Distrito Naval, sediado em Florianópolis, em 1951 até 1955. Assumir esse comando significava gerenciar a região sul do país no que tange aos assuntos navais, ou seja, um posto de grande prestígio. Conforme o que pode ser percebido nas notícias de jornais logo que ele chegou no Estado seria convidado a participar de eventos, ser paraninfo em formaturas etc.
Além disso, antes da ESC, o Almirante organizaria um curso de título “Curso de Expansão Cultural” na Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina (BPSC), na qual intelectuais de vários estados brasileiros participaram. Percebe-se que em SC ele teve contato com os principais intelectuais locais, isto é, ele deve ter conhecido a produção dos catarinenses sobre a sua região, cultura, história, geografia etc.
Não se sabe ao certo se a proposta da ESC originou do mesmo ou de uma demanda local, contudo, o que é possível afirmar no momento é que o seu desenvolvimento partiu de alguém que não foi criado em SC, mas que parece ter tido a oportunidade de conhecer os principais produtores culturais da região.
Foi um empreendimento extremamente ambicioso, com o Almirante tendo realizado inúmeras viagens para regiões do Estado, além de ter exigido um levantamento extenso de escritos dos mais diversos. O acervo do Almirante contém um conjunto muito rico de documentos que pode ser investigado através de diferentes metodologias e abordagens.
Fotografia: Almirante Carlos da Silveira Carneiro
O projeto também contou com apoio do Estado, pois, em 1961 foi elaborada uma lei de nº 2.943 que tornava a Enciclopédia como “de utilidade pública” e “promoção de caráter cultural”, ela foi promulgada pelo então Governador do Estado à época, Celso Ramos. A ESC pode ser entendida como um bem simbólico que faz parte do imaginário sobre o que é SC. Sugere-se que houve um esforço em seu projeto de construção de uma identidade do que é o Estado, qual a sua geografia, sua história, sua população etc. e de quem foram seus heróis ou principais personalidades. A seleção dos conteúdos para a ESC deve ser compreendida como relacionada a uma visão de mundo que valorizava heróis, documentos “oficiais” e o estudo de seu território.
Como não houve um lançamento em uma versão oficial definitiva da ESC, parece que este empreendimento pode ter encontrado dificuldades de ordem pessoal ou que mudanças de governo podem ter cortado o seu apoio. De qualquer forma, a instabilidade e dificuldades nas produções culturais pode ser compreendida como uma constante no Brasil. Além disso, a sua elaboração por um membro da Marinha parece estimular a realização de mais pesquisas sobre as Forças Armadas e as produções de seus membros.
Para saber mais
Índice da enciclopédia de Santa Catarina